Da transformação digital aos dados e à medicina preditiva

“Não se consegue fazer um processo de transformação digital em nenhuma organização, que não consiga garantir que todos os stakeholders estão envolvidos no processo”
CEO da Glintt, Nuno Vasco Lopes

“Há aqui uma questão que pode ser decisiva, que é haver, cada vez mais, medicina preditiva e medicina preventiva. Porque, se for bem feita, provavelmente, vai permitir melhores índices de saúde com custos muitíssimo menores”.
Diretor-geral da Generis, Paulo Lilaia

“Só tínhamos dinheiro para fazer offline ou digital, e a minha opção foi ir para o digital, visto que parecia ser o único sítio onde nós conseguíamos fazer todas as fases da viagem, e, em vez de duas campanhas por ano, ter 400”.
Adolfo Mesquita Nunes, ex-secretário de Estado do Turismo

Depois da primeira edição, a Associação Nacional das Farmácias recebeu o segundo Expofarma Meeting, em 21 de junho, com o tema “Os Dados e o Digital na Saúde: os Desafios da Omnicanalidade no B2C”. A iniciativa, no âmbito da Expofarma 2018, contou com as intervenções do consultor jurídico e ex-secretário de Estado do Turismo Adolfo Mesquita Nunes; do CEO da Glintt, Nuno Vasco Lopes; do diretor-geral da Generis, Paulo Lilaia; e do fundador do Nudge, Diogo Gonçalves. A moderação ficou a cargo de Mónica Correia, digital marketing manager das Farmácias Portuguesas.
Para introduzir o tema, Adolfo Mesquita Nunes começou por explicar, com base na sua experiência, como é que se enfrenta o conceito de venda em Portugal, na perspetiva da omnicanalidade, em que se tem de estar em todos os touchpoints que interessam ao consumidor. Aquando da mudança de estratégia de promoção do Turismo de Portugal, o ex-secretário de Estado explicou que vigorava uma estratégia offline, obsoleta, e precisava de ser trabalhada – com 98% do orçamento no offline, passou-se para 98% no digital.

Adolfo Mesquita Nunes elenca as etapas do percurso da decisão, no qual entra o conceito de “venda”, que são: primeira, a fase do sonho, em que cada pessoa, mesmo não sabendo sequer que vai viajar, é inspirada; segunda, a fase da decisão, em que a pessoa quer viajar e, portanto, procura um sítio para ir; terceira, a etapa da reserva, na qual, para não perder o cliente, é preciso converter a decisão em compra; e, por fim, a etapa da experiência, em que a pessoa já adquiriu a viagem, porém, tem ser mantida agarrada às redes para a partilhar.

“Só tínhamos dinheiro para fazer offline ou digital, e a minha opção foi ir para o digital, visto que parecia ser o único sítio onde nós conseguíamos fazer todas as fases da viagem, e, em vez de duas campanhas por ano, ter 400”, explica.

A ideia de venda foi uma introdução ao tema do debate, o qual aborda a perspetiva da omnicanalidade B2C, com enfoque nos dados e no digital. Os dados, também muito importantes na estratégia do Turismo de Portugal, permitiram, assim, dar informações acerca dos vários mercados; o que, neste caso, possibilitou a alteração das mensagens.

O ex-secretário de Estado do Turismo afirma que há mecanismos – uns mais simples, outros mais refinados – que permitem conhecer os clientes. O mais sofisticado é, por exemplo, o Instagram, sendo que, através de análises algorítmicas dessa rede social, é possível saber onde é que as pessoas andaram, onde é que tiraram fotografias, e em que altura do dia o fizeram.

A REVOLUÇÃO DOS DADOS

A revolução do digital e dos dados é mais decisiva na área da saúde, pois é nela que o conhecimento dos dados vai fazer mais diferença. O consultor jurídico explica, com base na sua experiência em direito regulatório, que, na saúde, é preciso ter a certeza do custo de um medicamento, de um procedimento, de um tratamento; e se estes têm repercussão e eficácia suficiente para justificar o gasto. Então, isto obriga a que, dentro do setor, comecem a ter de provar, de forma mais rigorosa, a eficácia daquilo que se está a oferecer, daí a utilização dos dados e dos metadados.
Nos ensaios clínicos, esse uso permite provar com mais eficiência os resultados daquilo que se quer apresentar; possibilitando a escolha de uma melhor população, a correlação entre todos os efeitos, e, mesmo, prever efeitos secundários. Na medicina, vai torná-la mais precisa, isto é, passa a ser possível conhecer cada doente – estudar e analisar os seus dados genéticos –; por sua vez, o caminho passa por exigir dos laboratórios, das farmacêuticas, e dos prestadores de saúde, tratamentos exclusivos para aquela pessoa. Na medicina preditiva, será possível criar perfis individuais, através da genética, da história e dos dados, e com 40 anos, por exemplo, vai ser possível saber que aos 45 é provável que se passe a desenvolver determinado tipo de patologias – profiling de doentes.

Qual é o grande desafio disto? Primeiro, é a questão do tratamento e armazenamento dos dados – há muitos dados, muita informação, que está compartimentada em símbolos que não comunicam entre si, e não se sabe o que fazer com eles; torna-se essencial, para qualquer empresa que queira posicionar-se, que tenha uma noção clara do que é possível com a nova técnica dos dados. Segundo, é a cibersegurança. E terceiro, a privacidade dos dados pessoais – apesar de ser vantajoso para a pessoa é, evidentemente, um poder que é dado a quem tenha informações sobre ela.

“O que eu acho que são as barreiras ao desenvolvimento deste negócio são a falta de segurança nos sistemas de segurança, a falta de confiança na forma como se trata e recolhe os dados, e a questão ética que não está sequer a ser discutida”, conclui Adolfo Mesquita Nunes.

O DESAFIO DA TECNOLOGIA

Tendo em conta as restrições faladas, atualmente, no que diz respeito à proteção de dados, será que há necessidade de desenvolver instrumentos para percorrer o caminho digital da saúde? O CEO da empresa tecnológica Glintt, Nuno Vasco Lopes, responde à moderadora, dizendo que “essa necessidade é permanente”.

A Glintt, além das farmácias, faz o suporte aos hospitais, e, segundo Nuno Vasco Lopes, há aí um conceito de rede, explicando que não se pode partir do princípio que, primeiro, a tecnologia é um fim de si próprio, porque não é; e que se vai conseguir resolver, sem ajuda, todos os desafios dos profissionais, dos negócios e do consumidor. “Não se consegue fazer um processo de transformação digital em nenhuma organização, que não consiga garantir que todos os stakeholders (partes interessadas) estão envolvidos no processo”.

A partir da pergunta retórica – “Qual é o grande problema?” –, o CEO da Glintt informa que 60% dos investimentos feitos em tecnologia vão falhar, ademais, as pessoas não estão habituadas à falha. O mundo é muito rápido e a velocidade de transformação é gigante, por isso, hoje em dia, tem de se olhar para o não sucesso de uma forma completamente diferente.

Além dessa interoperabilidade essencial destacada, há mais três fatores que, seguramente, vão impactar a vida de todos, alterando, até, o modelo social. São eles o “real time dated” – há, atualmente, uma sede de informação, e com as redes sociais, a cada clique, acede-se a coisas novas; a mobilidade – não se pode esperar que as pessoas procurem os prestadores, tem de se ser inteligente na forma como se garante o acesso aos cidadãos, e aqui fala-se em omnicanalidade; e, por último, a inteligência artificial.

“Toda a sociedade vai ter que mudar. Todo o esquema está montado numa lógica de receita em função do trabalho, e daqui para a frente vão ter de ser montados novos modelos de receita; e todo o modelo social vai mudar, caso contrário podemos entrar num esquema de falência social”, adianta Nuno Vasco Lopes.

GERIR O ACESSO

Por sua vez, o diretor-geral da Generis, Paulo Lilaia, faz uma chamada de atenção para as gerações “millennial” e “X”, que são mais informadas; mais tecnológicas; e que não têm uma atitude passiva, isto é, vão ao médico e já levam um conjunto de informações.

A tendência é essa, o doente será cada vez menos passivo, terá cada vez mais informação, e vai ser, cada vez mais, exigente sobre aquilo que serão os seus tratamentos. Eventualmente, vai ser parte interessada e ativa na escolha daquilo que é feito consigo.

Paulo Lilaia defende que todas estas mudanças têm uma base tecnológica enorme, no entanto, como qualquer outro avanço ou alteração, acarretam alguns perigos, como quando, por exemplo, a tecnologia tem mais força do que aquilo que se quer.

Outra questão que parece “interessante” para o diretor-geral da Generis é o facto de, no setor farmacêutico e dos medicamentos genéricos, estarem muito do lado da farmacoeconomia, e olharem muito para a questão demográfica e económica. Em Portugal, ao nível da saúde, gasta-se metade per capita do que gasta a média da União Europeia, pois os recursos que o país possui são “limitadíssimos”. Há um avanço tecnológico, todavia, é difícil para os cidadãos terem acesso a essas novas tecnologias e aos benefícios que estas transportam.

“Parece-nos que há aqui uma questão que pode ser decisiva, que é haver, cada vez mais, medicina preditiva e medicina preventiva. Porque, se for bem feita, provavelmente, vai permitir melhores índices de saúde com custos muitíssimo menores”, acrescenta Paulo Lilaia.

Em relação à indústria farmacêutica, o diretor-geral da Generis, diz que, a seu ver, a tendência é haver medicamentos personalizados, o que pode trazer um custo significativo, daí a importância de medir a relação entre o custo e o benefício. No caso de a prevenção já não ser possível, e a solução passar pelo tratamento, então, o acompanhamento e a gestão da doença são fulcrais; sendo que, nesse caso, “a tecnologia e a omnicanalidade podem ter um impacto brutalmente positivo na gestão da saúde das pessoas”.

Através de indicadores, pode ser feita a gestão da terapêutica e o acompanhamento médico; isto, explica Paulo Lilaia, pode ser exequível a partir de tecnologia massiva, para que o custo seja acessível.

PREVER O COMPORTAMENTO

Pegando na abordagem da medicina preditiva e da medicina preventiva, o fundador da startup Nudge, Diogo Gonçalves, explica como é que o Nudge ajuda a responder a alguns dos desafios elencados.

De acordo com a psicologia cognitiva, as pessoas tendem a lembrar-se da primeira informação que lhes foi dada – há um efeito primazia. O Nudge, segundo o seu fundador, é uma alteração muito pequena, que, por vezes, até parece insignificante; e que atua a um nível pré-consciente, junto do decisor, influenciando a sua decisão e o seu comportamento de uma forma previsível. Ele representa, igualmente, uma mudança de paradigma, no que diz respeito à forma como se olha para o cidadão, o investidor, o doente, o médico, todos os agentes da economia.

“Em particular na área da saúde tem sido utilizado para criar hábitos; e melhorar os hábitos, o comportamento dos médicos e dos prescritores. Hoje em dia, o comportamento humano passou a ser mais previsível do que há uns anos, e influenciável”, resume.

A Expofarma é um evento profissional dedicado ao mercado farmacêutico, que, este ano, decorre no Centro de Congressos de Lisboa, entre 18 a 20 de outubro.